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Especialistas debatem controle de Helicoverpa

"O bicho é osso duro de roer" na definição do pesquisador Alexandre Specht, da Embrapa Cerrados, tem alta taxa de fecundidade e mobilidade, é considerado mais voraz em relação a outras lagartas-praga, é de difícil identificação e ainda é "capaz de aprender". O bicho em questão é a Helicoverpa armigera, que faz parte do complexo de lagartas do gênero Helicoverpa e, segundo Specht, agricultores, pesquisadores e todos que trabalham com as culturas do algodão, soja e milho, dentre outras, precisam "aprender a conviver com ela". 

A preocupação com as lagartas do gênero Helicoverpa reuniu centenas de pessoas em Sorriso e Rondonópolis (nos dias 12 e 13 de julho) interessadas em ouvir a experiência de consultores do oeste da Bahia e pesquisadores de várias instituições, que participaram  do "Workshop IMAmt sobre Helicoverpa em MT". Mais de 750 pessoas estiveram presentes nos dois dias de workshop promovido pela Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (AMPA) e pelo Instituto Mato-grossense do Algodão (IMAmt). O evento contou com patrocínio do Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) e da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).

"Vamos vencer o desafio", afirmou o pesquisador Paulo Degrande, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), que está à frente da elaboração de um Plano Estadual de Manejo da Helicoverpa no GHTM (Grupo Helicoverpa de Mato Grosso), ao lado de pesquisadores como Miguel Soria e Danielle Thomazoni, entomologistas do IMAmt. O desafio é grande, reconhecem os especialistas, mas todos estão de acordo quanto à necessidade de que o pessoal que atua no campo (produtores e seus colaboradores, engenheiros agrônomos, técnicos e consultores) adote uma postura pró-ativa, que inclui o manejo integrado de pragas (MIP) e observação atenta para "controlar a Helicoverpa no seu ponto fraco: quando ainda está pequena", segundo Degrande.

Monitoramento constante, cultivo de áreas de refugio, uso racional de inseticidas, preservação dos inimigos naturais, adoção de vazio sanitário como forma de evitar a chamada "ponte biológica" ou "ponte verde", que fornece alimento às lagartas e outras pragas de forma ininterrupta: essas foram algumas das estratégias mais repetidas pelo time de especialistas reunidos durante o workshop realizado em Sorriso (na sexta-feira) e Rondonópolis (sábado). Todas elas  têm como objetivo assegurar a sustentabilidade das culturas do algodoeiro e da soja, dentre outras, e a preservação de variedades geneticamente modificadas resistentes a insetos, as variedades Bt – como Bollgard II, que se caracteriza por apresentar resistência às principais espécies de lagartas-pragas que atacam o algodoeiro, a exemplo da Helicoverpa spp.

O pesquisador Jean Belot, que trabalha com melhoramento no IMAmt, foi enfático em alertar sobre os custos e o tempo gasto no desenvolvimento de novas variedades transgênicas. Ele também criticou duramente a adoção de "variedades piratas". "O cultivo de qualquer evento não liberado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é crime, assim como de materiais não certificados que não estão no Registro Nacional de Cultivares. Se não preservamos as tecnologias disponíveis no mercado (Bollgard II da Monsanto e WideStrike da Dow AgroSciences), vai sobrar apenas a tecnologia de terceira geração (agregando o gene VIP3A) e depois vai demorar de 10 a 15 anos ou mais para termos outras tecnologias Bt visando o controle das lagartas. E é só através dessas tecnologias que vamos vencer o problema da Helicoverpa spp.", advertiu o pesquisador.

Resistência – Durante o workshop foram apresentados resultados de pesquisa – como o do entomologista Eliseu Pereira da Universidade Federal de Viçosa – sobre a evolução da resistência apresentada por lagartas às toxinas de Bt (Bacillus thuringiensis).  Segundo o pesquisador, Helicoverpa spp. é uma das lagartas mais tolerantes às tecnologias e inseticidas disponíveis no mercado e os testes de laboratório têm demonstrado seu potencial de resistência, que é uma capacidade adquirida. Assim como outros participantes do workshop em Mato Grosso, Pereira defendeu veemente o cultivo de áreas de refúgio (cultivadas como fornecedoras de indivíduos  não resistentes – ou suscetíveis – à tática de controle) como forma de driblar o processo de resistência das lagartas, e também a importância do monitoramento da resistência  de Helicoverpa spp. e outras lagartas-alvo de algodoeiro Bt, o que já está sendo feito em parceria com o Departamento de Entomologia do IMAmt. 

De acordo com o pesquisador Alexandre Specht, da Embrapa Cerrados, que participou do trabalho de identificação de Helicoverpa armigera no Brasil, espécie considerada exótica até o início da safra 2012/13, essa lagarta está espalhada pelo mundo e não se sabe por onde entrou no Brasil, já que foi detectada sua presença em vários estados e culturas. O agrônomo Wanderlei Dias Guerra, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), afirmou que Helicoverpa spp está "disseminada em todo Estado de Mato Grosso". Miguel Soria, do IMAmt, apresentou um breve panorama da Helicoverpa spp. no MT e relatou a identificação molecular via DNA, de H. armigera em Primavera do Leste e Pedra Preta (Serra da Petrovina) – trabalho que se estende a todo o Estado e que está sendo realizado em parceria com pesquisadores da Austrália.

Controle biológico – Todos os participantes do workshop concordaram quanto à importância da preservação dos inimigos naturais de Helicoverpa spp. e de outras lagartas-pragas, bem como do uso de inseticidas mais seletivos e de forma racional. O pesquisador Marcelo Soares, do IMAmt, apresentou algumas ferramentas promissoras no controle das pragas, como Trichogramma spp., vespas com grande capacidade para parasitar os ovos de mariposas (lagartas em estágio adulto), e ainda destacou o potencial de vírus e fungos, mas alertou que é preciso se trabalhar apenas com o material de empresas consolidadas.

"Precisamos colocar mais biologia no sistema e utilizar mais tecnologias baseadas na ecologia", defendeu o pesquisador Paulo Degrande, ressaltando mais uma vez a necessidade de se fazer o Manejo Integrado de Pragas (MIP) em toda fazenda e não apenas em alguns talhões. Para Degrande, é fundamental se criarem escolas para a formação e treinamento de monitores de pragas. "A situação atual exige a análise meticulosa e diária das lavouras", argumentou.

O workshop contou ainda com a participação do consultor Pedro Brugnera e de Josué Grah, coordenador regional de Planejamento e Pesquisa BA/GO da SLC Agrícola, que trouxeram a experiência do Oeste da Bahia, que foi a primeira a sofrer as consequências do ataque das lagartas-pragas do gênero Helicoverpa. O consultor Jerley Fernando falou  sobre a presença de Helicoverpa spp nas lavouras da região da BR-'163 (que atravessa os municípios de Nova Mutum, Lucas do Rio Verde e Sorriso, entre outros). Resultados parciais de pesquisa do IMAmt com Helicoverpa spp. realizados na safra 2012/2013 também foram apresentados ao público por Miguel Soria, entomologista do IMAmt. O diretor executivo do IMAmt, Alvaro Salles, que participou do workshop em Sorriso e Rondonópolis, avaliou o evento como muito positivo para a sustentabilidade da agricultura mato-grossense.